Beatriz Vidal

Sambaqui

“Sambaqui” é a obra que apresentei, em 2024, na exposição “Lava, pó e nada”, para a matéria de Projetos Avançados em Cerâmica. Eu gosto de pensar que meus trabalhos sendo desenvolvidos nesse ano para o projeto de TCC “Distâncias Imaginadas” e o projeto “Sob Azul” da matéria de P.A. em Arte Têxtil vêm a partir do Sambaqui, e que eles também fazem parte deste projeto. Aqui, vou descrever como foi o processo de produção do Sambaqui, e quais características e aprendizados perpetuam minha poética para além dele.

A palavra “Sambaqui” vem do tupi “monte de conchas”. São construções feitas com ossos, conchas e cascas, e podem ser encontradas ao longo de todo o litoral brasileiro e algumas áreas próximas a rios. É estimado que esses sambaquis foram feitos de 2 mil a 8 mil anos atrás, e com camadas mais antigas dependendo da profundidade. Com novas análises tecnológicas, descobriu-se que esses sambaquis são uma peça importante da cena arqueológica brasileira. Alguns possuem restos mortais devidamente sepultados em seu interior, acompanhado de potes, adornos e lanças. Essa descoberta levanta teorias de que esses montes de concha tinham um grande significado para as sociedades que os produziram, e que esses espaços eram reservados para o sepultamento de figuras importantes dessas comunidades pré históricas. São estruturas tão antigas que vêm antes até mesmo das comunidades originárias registradas durante o século XVI, no período colonial, até os dias de hoje. Mesmo assim, isso não impediu a narrativa exploratória de que os sambaquis fossem o “lixão indígena”. Fama errônea, que caiu no imaginário popular também em Paranaguá, onde eu aprendi sobre esse mito. Meu objetivo era usar essas estruturas de inspiração para criar uma alegoria sobre o distanciamento temporal e físico que eu sentia em relação à Paranaguá e minha família.

Meu processo de desenvolvimento do Sambaqui, resumidamente, iniciou com a frase “As conchas são a porcelana do mar”, então comecei a tentar produzir cascas de ostra feitas com porcelana branca. Procurando as referências, decidi buscar o vendedor de ostras do mercado do peixe de Paranaguá— que gentilmente doou para mim as cascas.

O processo da limpeza das cascas foi o que mais solidificou como seria fazer essas conchas de cerâmica pelo contato direto e observação atenta na hora de tirar o limo e outras impurezas— foi nesse momento, também, que eu percebi que as cascas são feitas da mesma substância que as pérolas— o nácar. Parece óbvio, mas foi uma epifania perceber que eram os mesmos materiais e que tinham relações de valor tão diferentes. Isso me fez ver ambas sob uma nova perspectiva.

Durante a limpeza, também percebi que ainda tinham ostras menores acopladas nas cascas das maiores— o que atrapalhou a limpeza, mas foi interessante perceber como que o conglomerado de ostras cresce, e como começa pequeno, grudando umas nas outras. Por meio a técnica de nerikomi, pude colocar cor na casca de porcelana de forma que a representação das camadas que são formadas pela ostra nas conchas ficasse mais natural. Eu não estava tentando formar representações fiéis do formato da casca, mas desenvolver técnicas manuais de cerâmica para que a concha pudesse conversar com as peças de porcelana.

Durante a produção, conversei com a minha mãe, Anie Vidal, sobre como eu imaginava o projeto, e ela comentou um detalhe interessante. Em 1993, ela produziu uma sequência de obras tridimensionais. Elas eram chamadas de “Pedacinhos”, e consistiam em garrafas pet cortadas e derretidas, que dentro tinham areia da praia e cascas de ostra coladas. Essas peças sumiram com o tempo, até que só sobrou um “Pedacinho”, que ficou na estante da nossa casa por anos. Ela nunca tinha comentado diretamente sobre o projeto para mim, e segundo ela, achou curioso como mesmo anos depois de ter produzido, eu usei um material e um simbolismo semelhante a ela para a obra. Por isso, pedi autorização dela para trazer o Pedacinho ao Sambaqui, e incorporar ele na instalação.

Foram 2 meses produzindo cerca de 50 a 60 conchas de porcelana, e aproximadamente na metade da produção, eu pensava em como colocar elas suspensas na montagem- até pensei em criar um apoio de arame para pendurá-las com nylon; e foi só depois de conversar com minha família que pensei no uso da tarrafa do meu avô, César. O uso do nylon estaria presente e conversando com a peça, além da presença do elemento do mar, da pesca, e da hereditariedade. O elemento suspenso me atrai por permitir o espectador de visualizar a peça de múltiplos pontos de vista.

Graças a obra “Sambaqui”, quando eu penso na produção do trabalho “Distâncias Imaginadas”, eu procuro focar em produzir obras que contenha elementos que foram acumulados e guardados por um longo tempo. Essa distância entre os elementos forma uma espécie coordenada mental, onde os pontos se cruzam formando uma ideia de experiência e memória.